A distopia inumana de Kazuo Ishiguro
DOI:
https://doi.org/10.47295/mgren.v13i2.1385Palavras-chave:
Kazuo Ishiguro, Não me abandone jamais, Escrita confessional, Bioética, Ficção científicaResumo
A escuta na área da saúde é imprescindível. A anamnese ou a “história do paciente”, fundamental na propedêutica médica, consiste numa entrevista do profissional de saúde destinada a obter do sujeito em sofrimento elementos importantes para o diagnóstico. Trata-se de um texto biográfico breve e pragmático, muitas vezes convertido num questionário padronizado, mas que não escapa a um grau de elaboração interpretativa por parte do entrevistador. Isto reflete a tendência à mecanização do atendimento de saúde, onde o distanciando dos agentes envolvidos na consulta compromete a possibilidade de um diálogo genuíno entre eles, podendo levar a um desequilíbrio de poder, com o predomínio do mais aparelhado sobre o mais vulnerável. Em situações extremas, esta assimetria pode conduzir a mecanismos de desumanização, como aquele denunciado no romance de ficção científica Não me abandone jamais, de Kazuo Ishiguro, onde a narrativa intimista de uma cuidadora num ambiente hospitalar torna-se um comovente e inadvertido documento de denúncia da submissão e do silêncio dos sujeitos ditos “pacientes”, ou seja, em condição de fragilidade e destituídos de voz. Neste artigo, utilizamos os referenciais da bioética (Chambers, Charon, Frank, Hayles) para discutir o recorte da Medicina narrativa nesta história que se alinha com o gênero da Ficção científica ao problematizar, especulativamente, o tema da clonagem humana.
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